Wednesday, August 30, 2006

A servidão voluntária.

Como é possível que cidades inteiras, nações inteiras se submetam a vontade de um só, em geral do mais covarde e temeroso de todos? De onde um só tira o poder para esmagar todos os outros? lhes respondo: Não é por medo, mas por que desejamos a tirania.
Como explicar que o tirano, cujo corpo é igual ao nosso, tenha crescido tanto, com mil olhos e ouvidos para nos espionar, mil bocas para nos enganar, mil mãos para nos esganar, mil pés para nos pisotear? Quem lhes deu os olhos e os ouvidos dos espiões, as bocas dos magistrados, as mãos e os pés dos soldados? O próprio povo.
A sociedade é como uma imensa pirâmide de tiranetes que se esmagam uns aos outros:
O corpo do tirano é formado pelos 6 que o aconselham, pelos 60 que protegem os 6, pelos 600 que defendem os 60, pelos 6 mil que servem aos 600 e pelos 6 milhões que obedecem aos 6 mil na esperança de conseguir o poder para mandar em outros. Ou seja, o poder de um só sobre todos foi dado ao tirano pelo nosso desejo de sermos tiranos também.
Mas de onde vem o próprio desejo de tirania? Vem do desejo de se ter bens materiais e riquezas, do desejo de ser proprietário. Mas de onde vêm esse desejo insaciável do ter, de posse? Vem do desprezo pela liberdade. Se desejássemos verdadeiramente a liberdade, jamais a trocaríamos pela posse de bens, que nos escravizam aos outros e nos submetem à vontade dos mais fortes e tiranos. Ao trocar o direito à liberdade pelo desejo de posse, aceitamos algo terrível: a servidão voluntária. Não somos obrigados a obedecer o tirano e aos seus representantes, mas desejamos voluntariamente servi-los porque deles esperamos bens e a garantia de nossas posses. Ou seja, usamos nossa liberdade para nos tornarmos escravos.
Mas como derrubar um tirano e reconquistar a liberdade?
Basta não dar ao tirano o que ele pede e exige.
Mas o que ele pede e exige?
A nossa consciência e a nossa liberdade subordinada ao nosso desejo de mando.
Se não trocarmos a nossa consciência pela posse de bens e a nossa liberdade pelo nosso desejo de mando, nada daremos ao tirano e, sem poder, ele cairá como um ídolo de barro.

Étienne Laboetié : Filósofo francês do século XVI. ( Por Marilena Chauí – Convite à filosofia, àtica, 200.

Eliseu Machado

No comments: